“A crítica é dirigida à macumba e é dirigida, porque é religião de preto”

sustentação oral

SUSTENTAÇÃO ORAL PROFERIDA PELO DOUTOR E PROFESSOR EM DIREITO HÉDIO SILVA JR.

No dia 05 de Abril, no prédio do TRF-3 em São Paulo, aconteceu o julgamento de recurso da Record TV, que buscava se abster de sentença proferida no ano de 2015. A 6º Turma do Supremo Tribunal Regional Federal, julgou procedente a ação movida pelos órgãos e inconsistente a defesa da emissora. Confirmando assim, a sentença expedida pela 25º Vara Federal Civil de São Paulo.

Nela, o conglomerado de mídia de Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus será obrigado a produzir oito programas de televisão. Cada um deles com duração mínima de uma hora. Exibidos em duas oportunidades, totalizando 16 horas de direito de resposta às religiões afro-brasileiras.

O julgamento é parte de um processo movido pelo Intecab e CEERT, e completa neste ano 15 anos de tramitação. A sustenção oral foi feita pelo Dr. Hédio Silva Jr., acompanhado do Dr. Jader Freire e Antônio Basílio, representantes da ação.

Leia abaixo a sustentação oral do Dr. Hédio Silva Jr., em defesa às religiões de matriz afro:

Eu ouvi atentamente os argumentos das apelantes e cheguei a duas conclusões. Primeiro, que não leram o inicial. Não leram o inicial e não leram a Constituição Federal.

Nós não estamos tratando, de proselitismo religioso perpetrado no interior de templo religioso. Nós tratamos aqui de ofensa e discurso de ódio. Perpetrados por meio de um serviço, que por acaso, a Constituição Federal denomina serviço público. Por meio do vetusto expediente da subconcessão, pretendeu-se aqui substituir a figura de uma concessionária de serviço público, por uma instituição privada de uma confissão religiosa. Eu ouvi aqui. Aliás, um exercício heroico ouvir as duas sustentações. Para um velho professor de direito penal como eu, foi um exercício de heroísmo ouvir as duas sustentações que eu ouvi.

O primeiro aspecto é que nós estamos tratando do uso de um serviço público e também, lamento que as apelantes e seus patronos, desconheçam esse detalhe. Por acaso, há uma disciplina constitucional do serviço público: comunicação social. Sua excelência o procurador da república, denominou com precisão técnica o abuso da liberdade de radiodifusão. Nós falamos aqui, do abuso da radiodifusão.

A Ancine – Agência Nacional do Cinema, constatou que em 2017, 21% da grade da TV aberta no Brasil é utilizada pelo segmentos neopentecostais. Aliás, nesse sentido, resoluções da Anatel e etc, com o peso e a importância que eles tem no governo Temer e nos últimos governos. Eu não citaria uma decisão de Brasília aqui, porque de fato a patrona dessas duas redes, tem um trânsito considerável em Brasília. Um trânsito no plano da política.

A Ancine demonstra que 21 % das programações das TVs aberta do Brasil são utilizadas para programas religiosos neopentecostais. O próprio governo federal produziu um relatório que diz qual é o efeito social desse discurso do ódio. Pretende-se defender o conceito de crítica, mas o Brasil tem 10% de ateus, agnósticos e 2 mil denominações religiosas, mas só se critica a macumba.

A crítica é dirigida a macumba. E é dirigida porque é religião de preto, muito embora, os milhões de brasileiros hoje que professam as religiões afro brasileiras em sua maioria não são negros, mas é uma religião associada a presença de africano. Vejam que muçulmanos tem rituais de abates religiosos de animais. Judeus tem rituais de abate religiosos de animais. Mas não se critica muçulmano, nem judeu. Não se critica agnóstico, não se critica ateu. Se critica exclusivamente a macumba. A critica bíblica e aliás eu cito aqui, para atualizar a validade da demanda.

Antes de tudo eu quero agradecer os patronos das apelantes, que me proporcionaram um argumento valioso na tribuna. Disseram nas razões recursais, há dois anos:

Qualquer homem ou mulher que evocar os espíritos ou fizer adivinhações será morto.

É isso que deve se prestar os meios de comunicação social no Brasil?

Mas é isso que tem se prestado os meios de comunicação social no Brasil. Ou pelo menos esse percentual de televisões abertas, que são utilizadas pelos chamados programas religiosos. “Serão mortos, serão apedrejados e levarão sua culpa.

Isso tem acontecido. Segundo o governo federal em um relatório produzido em novembro de 2017. A cada 15 horas um templo religioso no Brasil, sofre algum tipo de ataque. Crianças de oito, nove e dez anos, em escolas púbicas, sobre custódia direta do Estado, são vítimas desse tipo de discurso. São humilhadas, constrangidas, discriminadas expulsas da escola, em função desse discurso. Que eu volto a repetir, não é um discurso feito no interior de templo religioso, é um discurso em TV aberta. É disso que se trata aqui. Portanto, há uma dimensão fática e social. A ofensa e o ódio religioso não vulneram só a dignidade da pessoa humana.

Segundo a ONU, o ódio religioso responde atualmente por 75% dos conflitos armados em curso do planeta. O resultado desse discurso, me lembra inclusive muito bem, o discurso da Alemanha Hitleriana nazista, de atribuir todos os males da humanidade aos judeus. A construção discursiva é a mesma, todos os males se devem as religiões afro-brasileiras.

Como a fórmula do discurso religioso é: você tem um mal e eu estou aqui para responder. Como no Brasil tem muito macumbeiro é fácil identificar o mal. O mal está em cada esquina. É só ligar os programas para constatar. “Hoje a noite, o degelo do ártico.., é o encosto”. “O aquecimento global, é o encosto”. “Trincou a dentadura de alguém, é o encosto”. Ai vem as questões concretas. O desemprego é o encosto. O senhor não tem casa própria, é o encosto. O senhor está com alguma enfermidade física ou mental, é o encosto.

Qual é o resultado dessa narrativa? As pessoas apedrejam templos, humilham crianças e fiéis, porque entendem que destruindo as religiões afro brasileiras, elas terão o seu emprego de volta. Aliás segundo alguma propaganda religiosa que se ouve, é dito que se fizer isso, de um dia para outro você terá carro de luxo, mansão e etc. Essa é a síntese do discurso religioso.

Recentemente o Tribunal Regional Federal da 2º região, julgou um caso análogo a esse, à respeito de vídeos produzidos pela Igreja Universal do Reino de Deus. Vídeos com as mesmas impressões das razões recursais (vide memorais no final do texto). É interessante, porque é uma das primeiras vezes que eu vejo, o acusado confessar já nas apelações. Não confessaram na instrução, mas, resolveram hoje, talvez para ajudar a minha sustentação, confessar o ilícito; não negam o que dizem. Entendem impressões como bruxaria, feitiçaria, pais e mães de encosto, que são metonímias para se referir as sacerdotes e sacerdotisas afro-brasileiros (popularmente chamados de pais e mães de santo). “Espíritos imundos”.

Recentemente na esfera da Justiça Estadual, ouve um conjunto de decisões que impediram a exibição de uma peça de teatro, em espaço particular, pago, porque a peça ia figurar a figura de Jesus Cristo a um travesti. Para vocês terem noção da importância do bem jurídico, chamado sentimento religioso. É diferente de quando o senhor desaprova uma religião, quando censura e diz que ela é falsa e que a sua é verdadeira. Quando o senhor diz que as pessoas devem aderir e afluir ao seu templo, isso é muito diferente do senhor dizer “espírito imundo”. São milhões de brasileiros que professam as religiões afro-brasileiras. Imaginem se a peça de teatro que projetaria a figura de Jesus Cristo como travesti, fosse veiculada em um programa de televisão.

Mas o sentimento religioso é o mesmo, ao contrário do que supõe, as apelantes, o sentimento dos seus fiéis, é o mesmo sentimento religioso dos fiéis das religiões afro-brasileiras que não atacam ninguém, não saem as ruas para fazer proselitismo. Não se utilizam dos poucos espaços que tem nos meios de comunicação digitais, para atacar qualquer religião. São religiões que convivem pacificamente, que respeitam, que citam a tolerância.

Da maneira que nós estamos tratando aqui, não só de ofensa concreta, nós analisamos várias horas de fitas e na verdade quando formos para a casa basta ligarmos a televisão para vermos que as narrativas são as mesmas. A narrativa não mudou até porque está dando certo. Essa religiões se tornaram potências. Lançam filmes biográficos, com publicidade na rede globo de televisão.

Está dando certo. Mas, está dando certo ao custo da Constituição Federal. Ao custo, do Código Brasileiro de Telecomunicações. Está dando certo ao custo da violação dos direitos subjetivos. Está dando certo, ao custo da paz social. Eu não quero fazer discurso alarmista, mas eu não tenho nenhuma dúvida, de que se a intolerância religiosa prosseguir como hoje ela se manifesta no Brasil, em curto prazo nós teremos conflitos sociais gravíssimos. Porque se há um sentimento importante para qualquer ser humano, este é o sentimento religioso. Tanto, é que o Supremo tem dito e o Superior Tribunal de Justiça, reiteradamente também alerta, não há direitos absolutos.

Eu recomendaria aos apelantes que inclusive, lessem o capítulo 5º da constituição, eventualmente em função de excesso de serviço não teriam tempo hábil para ler a constituição em sua íntegra. Mas, leiam o artigo 5º. Lá ele refere dignidade da pessoa humana, honra subjetiva e objetiva. Ofensa, discriminação, preconceito, racismo religioso. O fato de se poupar, as outras duas mil denominações religiosas e se criticar exclusivamente a macumba, o Supremo já denominou, é racismo religioso.

Quero aproveitar para cumprimentar a Vossa Excelência e eminente Juiz sentenciante, que fez um trabalho primoroso. Ouviu as fitas, trabalhou com um tema em que não há jurisprudência. Raríssima jurisprudência.

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Teve o trabalho de analisar as provas e sentenciou ao meu juízo de maneira absolutamente sábia e correta. Nós não queremos, a ideia que aqui se disseminou, de tratar-se de vingança. A ideia de que os meios de comunicação se prestem a cumprir, o que a lei determina e deva ser o seu papel. Função educativa, informativa e não de incitar, induzir, brasileiros a agredirem fisicamente outros brasileiros em função da sua crença.

Deste modo, eu reitero a minha honra em ocupar essa tribuna. Quero publicamente agradecer Vossa Excelência Presidente dessa Câmara, que nos emocionou fazendo se presente no vigésimo quinto andar, cumprimentando as lideranças religiosas afro-brasileiras que cá estão.

A Justiça Federal no Brasil, especialmente nos últimos anos tem dado exemplos emocionantes de seu compromisso com a cidadania, com a legalidade e com os princípios do Estado Democrático de Direito. Vossa Excelência não precisaria ter ido lá cumprimentar as lideranças afro-brasileiras, pois a sua função aqui é a da judicatura, mas sua presença com certeza, ofertou, as pessoas que estão ali esperançosas que a Justiça Federal, faça justiça hoje.

O fato da Vossa Excelência trata-los com o respeito e a dignidade, por si só, terá sido um presente estarmos aqui hoje. Muito obrigado.

São Paulo, 05 de Abril, 2018.

 

LEIA: Memoriais processo Record  TV  

 

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Julia Pereira

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