Abate religioso diz respeito à liberdade de culto e de liturgia, protegida pela Constituição Federal, mas também tem a ver com a agroindústria, visto que o Oriente Médio e os países muçulmanos formam um importante e cobiçado mercado consumidor de aves e carne bovina produzidas no Brasil.
Dono do maior rebanho bovino comercial do mundo (214 milhões de cabeças), o Brasil faturou no ano passado 5,9 bilhões de dólares com a exportação deste tipo de carne. Estatísticas recentes indicam que cerca de 30% das exportações de frango e 40% das exportações de carne bovina são destinadas a países muçulmanos, os quais exigem que o animal seja abatido de acordo com preceitos religiosos.
Em 2015 apenas o Egito, país africano de maioria muçulmana comprou 5% do total da carne bovina produzida em nosso país. É interessante notar que a crença religiosa influencia fortemente regras alimentares em diferentes povos e culturas em todo o mundo. Os hindus, por exemplo, não comem carne bovina em razão de credo religioso: a Índia, país em que a vaca é considerada sagrada, possui o segundo maior rebanho bovino do mundo, perdendo apenas para o Brasil.
Budistas e Adventistas do Sétimo Dia possuem dieta predominantemente vegetariana e evitam consumo de carnes. Judeus e muçulmanos não comem carne suína, visto que o porco é considerado um animal impuro. A alimentação kosher, judaica, exige que o abate de bois e aves seja supervisionado por um Rabino, a degola deve ser feita com uma faca com lâmina longa e o ritual, denominado “schechita”, deve ser realizado por um “shochet”, sacerdote preparado para este ofício.
A alimentação halal, islâmica, exige que o abate (Zabihah) seja realizado por um muçulmano adulto, praticante, o animal deve ter sua face voltada para a Cidade Sagrada de Meca (Arábia Saudita) e no momento da degola recita-se uma oração contendo o nome de Alá. Segundo informações do site “Infoescola – Navegando e Aprendendo”, em 95% das degolas, bem realizadas, o animal leva cerca de 2 (dois) segundos para atingir a inconsciência.
Desde os anos 80 a agroindústria brasileira investe pesadamente na disputa pelo chamado “mercado halal”, sendo que frigoríficos brasileiros mantém escritórios em países como Líbano, Arábia Saudita e Argélia. De olho na ampliação de negócios com os 55 países considerados muçulmanos (nos quais mais de 50% dos habitantes são muçulmanos) atualmente o Inmetro/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior investe na criação de um Selo Halal, tendo em vista que o mercado halal é estimado em mais de 400 bilhões de dólares. Estes poucos dados são suficientes para demonstrar que o tema do abate religioso não diz respeito a macumbeiros “bárbaros” e “ignorantes”. Abate religioso diz respeito à economia brasileira, à geração de emprego e renda e à capacidade de o Brasil apostar no comércio exterior como estratégia para o desenvolvimento econômico e social. É só isso – ou tudo isso que está em jogo quando falamos em abate religioso!!!
Por Hédio Silva Jr., Advogado, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP, ex-Secretário da Justiça do Estado de São Paulo (2005-2006)
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