É comum escutarmos que algumas pessoas “vem pela dor” até a Umbanda e isso tem um sentido real quando olhamos para o processo de desenvolvimento mediúnico pelo qual algumas pessoas passam.
Pai Alexandre Cumino dedica um capítulo sobre esse assunto no livro Médium – Incorporação não é Possessão e propõe algumas afirmações, tal como, quando expõe que a busca pelo sentido da vida, a cura de dores físicas, morais, emocionais e espirituais são alguns dos estímulos que levam as pessoas a um terreiro, dizendo ainda que “a Umbanda mostra apenas que a solução ou a cura é algo que está dentro de você e que não adianta continuar procurando fora o que está no interior”.
Mas, o que isso tem a ver com a doença xamânica?
Podemos colocar vários pontos que essas duas experiências se convergem, mas o mais expressivo e notável é a forma com que a doença xamânica se manifesta.
William Nuvem Branca fala sobre esse processo no estudo sobre Xamanismo Tradicional, explicando que no início do século XIX grande parte dos estudiosos e etnólogos acreditavam que os xamãs estavam tendo uma crise epilética ou como é chamado na ciência da psicologia, uma histeria.
Com o tempo foram se desenvolvendo estudos que diferenciavam o transtorno mental da crise evidenciada dentro da iniciação xamânica e dentro dessa realidade já encontramos uma das semelhanças com a mediunidade, que por muitos é apontada como uma esquizofrenia.
Mircea Eliade, um dos maiores estudiosos sobre o Xamanismo, também filósofo das religiões fala disso destacando que “o xamã não é só um homem doente é muito mais que isso, ele é um homem que ficou doente e que se curou dessa doença por si mesmo. Após esse processo de curar-se esse personagem assume então a sua função dentro da comunidade: cuidar do bem estar geral do grupo.”
Na segunda aula do estudo sobre Xamanismo Tradicional, William, exemplifica a iniciação xamânica comparando-a com a jornada do herói descrita por Joseph Campbell no livro o Herói de Mil Faces.
Nesse processo o xamã passa pela crise que normalmente é desencadeada por um vazio existencial ou doença física, nesse momento ele tem o seu “chamado” a vocação e ao longo do processo ele irá passar por várias etapas sendo algumas delas: a recusa pelo chamado, a descoberta de novos dons, a decisão de mudar, o treinamento com os anciãos, a superação das doenças e a volta para comunidade como uma nova pessoa, agora, dotada de conhecimento e sabedorias que podem promover o auxílio a outras pessoas.
Voltando ao início do texto encontramos o ponto de convergência dessas duas manifestações. A pessoa que vai pela dor a um centro de Umbanda também está em crise e as doenças que a afligem muitas vezes são causadas pela mediunidade mal trabalhada, que ao decorrer do processo de desenvolvimento irão passar pelo mesmo processo do “Chamado” descrito por Joseph Campbell.
A mesma crise que “fez nascer” o ritual de Umbanda e que só encontrou tratamento quando Zélio de Moraes aceitou sua mediunidade e passou a desenvolve-la é aquela com a qual o xamã precisa saber lidar.
Pai Alexandre Cumino aborda isso no livro supracitado, “Vivendo com dores, desequilíbrios emocionais e “ataques”, Zélio foi levado ao médico, ao padre, à benzedeiras e a um centro espírita. O que ele tinha pode ser chamado de “doença xamânica”, ou simplesmente mediunidade mal trabalhada, claro, pois Zélio desconhecia sua própria mediunidade”.
Por isso, podemos dizer que a Umbanda muito tem a aprender com o que os conhecimentos xamânicos oferecem. Enxergar na tradição do outro os seus fundamentos é um intercâmbio cultural que só quem esta disposto a estudar e se aprofundar na questão consegue conceber.
“A partir do momento que existe hora e lugar para extravasar essa mediunidade, o médium para de sofrer, não incorpora mais involuntariamente fora de hora e com o entendimento do que é o dom mediúnico ele começa a entender e interagir com esse universo.”
Alexandre Cumino
“O xamã para poder se curar precisou ter se ferido em algum momento e ter também se auto curado para ter domínio sobre a doença e os tratamentos de cura da mesma, para só assim então poder ajudar as pessoas”
William Nuvem Branca
Texto: Júlia Pereira
Imagem: Retirada da internet (acesso)