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O QUE É UM TERREIRO?

Por Daniel Fauth W. Martins
Ilê, Ilé. Casa, Terra. Quando Zambi criou o mundo dividiu uma cabaça. Ao céu chamou Orum, e à terra, Ayê. Dentre os vários mitos da criação, uma coisa permanece: a terra é a nossa morada, e talvez por isso a palavra que caracteriza terra seja tão parecida com aquela que significa casa, com uma leve mudança de pronúncia: Ilê (casa, lar); Ilé (terra, chão).Axé (ou Asè) significa energia vital, aquela energia que anima as coisas e está em absolutamente tudo no nosso mundo. O axé é o princípio de existência que se esconde nas pedras, se precipita das cachoeiras, que está nas mãos que batem o acarajé e cortam o quiabo, que está nas nossas palavras, no som do atabaque, no calor do abraço e em tudo o mais que esteja ligado a esse mundo natural.

Ilê Asè, casa de axé. O terreiro, o lugar que tem terra, que é terra.

Escrevo isso porque tenho me perguntado frequentemente qual a função de um terreiro. Numa época de discursos que mandam não pensar em crise, mas sim trabalhar, em tempos que repetem a lógica de escravidão, de culpa e pecado, de destruição da natureza e supervalorização da razão, acho que é hora de voltar para a terra, para nossos pés, para os lugares onde pisamos e, consequentemente, para o seu axé.

Uma casa de axé não é uma simples casa, mas um local onde o axé é trabalhado, onde ele entra pela boca (com a comida de santo), pelas mãos (pelos elementos), pelos pés (pelo solo sagrado, seus fundamentos), pelos ouvidos (pela batida do tambor), e por todo órgão sensorial humano que nos coloca em contato com o divino. Desnecessário falar de trocas energéticas, já que o contato com o natural já nos traz tanto e de maneira tão generosa.

Mas é no contato humano que está a principal transmissão de axé. Na relação de acolhimento de uma casa, na capacidade de empatia e escuta, na resolução séria de problemas coletivos, e na busca constante de fundamentos. Como eu disse em um outro texto, o fundamento da Umbanda é a responsabilidade, já que, como não temos raízes africanas vinculadas a uma determinada nação, e como o culto busca integrar elementos afro, indígenas e de magia europeia (além de outras influências), nada mais justo do que conhecer a fundo tais elementos.

Um terreiro é uma grande árvore. Suas raízes são os fundamentos, e maior será a força da casa quanto mais fundamentos esta tiver, quanto mais sua dirigência e membros conhecerem os mitos, as histórias, os elementos e os segredos das cores, ervas, substâncias e principalmente, dos Orixás.

O tronco de uma casa é a sua estrutura, seu espaço, bem como a corrente, o local onde os cultos são realizados e o respeito com que este é tratado e mantido pelos membros. Este tronco, sustentado pelas raízes, cresce de dentro para fora, ampliando-se com cautela à medida que as raízes conseguem alimentá-lo satisfatoriamente.

Os galhos são os trabalhos realizados pelos médiuns, seu desenvolvimento saudável e pessoal que permite com que estes captem mais luz, se estendam, busquem o sol e outras condições favoráveis ao desenvolvimento. Note que os galhos e suas folhas alimentam igualmente o tronco, e que a saúde destes galhos e folhas é fundamental para a saúde do todo.

Os frutos, finalmente, são os resultados da casa, o bem realizado aos médiuns e à consulência que podem alimentar, saciar e, especialmente, germinar, trazer mais e mais árvores e, assim, povoar o mundo, alimentar o mundo, dar sombra para esse mundo enquanto aproveita sua luz.

Não é à toa que a guia de preto velho é feita de sementes, já que a semente carrega em si mesma toda a informação necessária a gerar uma nova planta. A semente é o momento último e primeiro de uma árvore. É o seu começo e o final de todo o seu processo de crescimento. A sabedoria da idade com a inocência da criança. E em sua ponta, não uma cruz, mas uma encruzilhada, o mistério de exu que era antes que tudo fosse, e que permanece condição para que cada caminho seja trilhado.

“Cada conta do seu rosário é um filho que aí está”: cada conta da guia de preto velho é uma mulher ou um homem negro, um povo indígena, bem como qualquer outro ser humano que tombou para que ideais como amor e coletividade pudessem prosperar. Cada conta uma vida, e o símbolo de todas as gerações que nos geraram para que um dia pudéssemos nós também ser sementes da mudança.

Ilê Axé, casa de axé. Existe um orixá da morte, existe um orixá do silêncio, mas não existe um orixá que não dance. Nossa capacidade de dançar e nos reinventar não é a guerra eterna cristã e o sofrimento penitente que tantas gerações de missionários tentaram incutir em nossas mentes. O mundo tem doença e dor, mas tem cachoeiras, pedreiras, mares, matas, folhas, pedras e tantas outras coisas que nos chamam para o seu axé.

O mundo tem relações como a amizade, o amor, o cuidado, o acolhimento. Tem o gozo, a preguiça, a serenidade, e todos tantos sentimentos que podem até ter nomes, mas que cada um sente do seu jeito. Tem um sentimento que é a areia nos pés de quem esperou um ano inteiro para entregar flores a Yemanjá, e tem outro que é a sensação de uma cachoeira limpando suas tristezas enquanto chora nos braços de Oxum.

Alegrar-se em meio a toda essa tristeza é estar em comunhão com os Orixás, é ter aquilo que o colonialismo e séculos de injustiça nos negaram: felicidade. Nossas batalhas sempre devem ser movidas pelo amor pelas coisas, e não pelo ódio contra elas, e aquele que não fala a linguagem do amor, que é essencialmente o contato com o outro, está fadado ao fracasso.

Ilé Axé: falei, falei, e como o bom Exu, não disse nada. Mas disse. Uma casa precisa ter Axé, e pra ter Axé é necessário ter amor. É necessário ser casa, ser chão e acolhimento, ser espaço onde se recupera forças e se enfrenta desafios, até porque nenhuma árvore existe apenas pelos seus frutos (e é em busca disso que se tem envenenado cada vez mais a terra).

Para se ter Ilê Axé é preciso ter Axé, energia das relações e dos elementos, ter em cada batida um sentido, em cada erva um nome, em cada relação a sinceridade do contato. Talvez a melhor tradução de Axé seja, na nossa sociedade, Amor, enquanto elemento que une e nutre. Casa de Amor, chão que nutre, Casa de Axé.

Você se sente em casa no seu terreiro?

Fontes:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Baob%C3%A1
http://baradoloju.xpg.uol.com.br/dicionario_i.htm

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Júlia Pereira

Acredito no poder da sabedoria ancestral da contação de histórias, como forma de cura, acolhimento e força. • Jornalista • Estrategista e Copywriter • Pós-graduada em Marketing, Branding e Growth • Estudante da EAD Ubuntu.

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