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Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: Reflexão e Ação

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro, nos convida a uma reflexão profunda sobre a diversidade de crenças e o respeito necessário para a convivência em uma sociedade plural. Instituída em 2007, a data homenageia Mãe Gilda de Ogum, uma liderança religiosa cuja luta contra o preconceito permanece como símbolo de resistência.

Em entrevista no canal do Youtube da UEAD, Juarez Xavier, professor, diretor da FAAC – Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design na UNESP Bauru e militante do movimento negro, compartilhou reflexões profundas sobre a luta contra a intolerância religiosa. Filho de Ogum, o professor une sua vivência espiritual e intelectual para lançar luz sobre questões que atravessam a sociedade brasileira.

Quem foi Mãe Gilda de Ogum?

Mãe Gilda de Ogum
Reprodução: Internet

Gildásia dos Santos, mais conhecida como Mãe Gilda de Ogum, foi fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador (BA). Iniciada no Candomblé em 1976, enfrentou intensa violência e preconceito religioso, principalmente de grupos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus.

As agressões culminaram em um infarto fulminante, em 21 de janeiro de 2000, resultado do estresse causado pela perseguição. Sua morte tornou-se um marco na luta contra a intolerância religiosa no Brasil, inspirando a criação do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

Por que as religiões de matriz africana são perseguidas?

De acordo com Juarez Xavier, as religiões de matriz africana enfrentam uma perseguição histórica singular no Brasil. Essas tradições, assim como as culturas indígenas, foram brutalmente atacadas por um projeto colonial europeu que negava a humanidade de determinados grupos e visava impor uma hegemonia cultural e religiosa.

Entre 1870 e 1930, o Estado brasileiro adotou políticas explícitas de substituição populacional. O objetivo era eliminar a presença física e cultural da população negra no país. O médico e cientista brasileiro João Batista de Lacerda, defendia a tese do branqueamento racial. No Congresso Mundial das Raças de 1911, chegou a propor que, em 100 anos, pessoas negras desapareceriam do Brasil, devido ao branqueamento e à marginalização.

“Nós não teríamos a genialidade do Pelé, não teríamos o Milton Santos, o Milton Nascimento. Não teríamos as artes plásticas que nós temos, Leci Brandão e Mãe Menininha do Gantois” enfatiza o professor.

Que país medíocre seria esse?

Apesar dessas brutalidades históricas — escravidão, segregação racial e esforços sistemáticos para apagar a cultura negra — a população negra continua presente, viva e resistente. Além disso, como Juarez Xavier ressalta, a crença na transformação do mundo e a força dos ancestrais alimentam essa resiliência. Cada geração é inspirada a continuar lutando pela preservação de suas tradições e pela valorização de sua identidade.

Racismo Religioso e o Papel do Estado

Quando se trata das religiões de matriz africana, a intolerância religiosa ultrapassa o preconceito subjetivo. Juarez a define como racismo religioso, um processo sistemático que visa aniquilar essas manifestações culturais e espirituais.

O professor destaca que essa violência não é apenas um problema das religiões de matriz africana ou da população negra, mas um problema do Estado. Desde a Constituição de 1946, que reconheceu essas tradições como parte legítima da história brasileira, o Estado tem a obrigação de protegê-las.

Essa obrigação foi reafirmada na Constituição de 1988. No entanto, como destaca o diretor da FAAC, os desafios persistem. O avanço de discursos fundamentalistas e a ausência de políticas públicas eficazes dificultam a concretização dessa proteção.

O papel da comunicação

A comunicação é uma ferramenta essencial para desconstruir narrativas preconceituosas e promover o respeito à pluralidade religiosa.

Juarez ressalta que os meios de comunicação, enquanto concessões públicas reguladas pelo Estado, têm a obrigação de assegurar a diversidade cultural e religiosa. Contudo, ele critica a ineficácia no combate aos que utilizam esses canais para disseminar discursos discriminatórios.

A igualdade de acesso aos meios de comunicação, incluindo redes sociais, é um pilar fundamental de um Estado laico. Este conceito não significa a proibição das manifestações religiosas, mas a garantia de livre expressão para todas as tradições, regulamentada pelo Estado Democrático de Direito.

Apesar de um cenário adverso, as manifestações tradicionais das religiões de matriz africana têm enfrentado esses desafios com força e determinação.

Universidade como espaço de transformação

A universidade, enquanto espaço laico e democrático, desempenha um papel fundamental no combate ao racismo e à intolerância religiosa. De acordo com o professor Juarez, a instituição tem passado por transformações significativas, marcadas por duas mudanças principais:

1. Políticas de ação afirmativa

Desde 2012, essas políticas têm ampliado o acesso ao ensino superior, permitindo a inclusão de alunos oriundos de escolas públicas, mulheres, negros, pardos e indígenas. Portanto, essa pluralização democratiza o ambiente universitário, trazendo maior representatividade das matrizes culturais e religiosas no Brasil.

2. Curricularização da Extensão

Ao priorizar uma conexão mais direta com a sociedade, a universidade se abre para manifestações culturais e sociais diversas. Isso cria um ambiente acadêmico mais inclusivo, capaz de incluir as tradições de matrizes africanas em suas práticas de ensino e pesquisa.

Essas mudanças impactam três áreas fundamentais:

  • Ensino: A inclusão de debates históricos e políticos torna as instituições mais representativas e alinhadas à diversidade brasileira.
  • Pesquisa: O estudo das tradições africanas enriquece a compreensão da realidade social brasileira.
  • Extensão: A interação com os territórios e as manifestações culturais fortalece o papel democrático da universidade como promotora da pluralidade.

Embora avanços significativos tenham ocorrido, ainda há desafios consideráveis. Séculos de segregação no ensino superior cristalizaram preconceitos que continuam a influenciar as instituições.

Por outro lado, nos últimos 20 anos, as pesquisas relacionadas à questão racial e às tradições africanas aumentaram exponencialmente, refletindo um movimento positivo em direção à reumanização dessas populações.

Um exemplo emblemático das lacunas ainda existentes é a aplicação da Lei 10.639, que tornou obrigatória a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares.

Implementação da Lei 10.639

A implementação da Lei 10.639 revela, portanto, as camadas mais profundas do racismo estrutural no Brasil. Essa legislação, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), representa, sem dúvida, um marco na organização educacional do país. No entanto, seu impacto concreto ainda é limitado devido a diversos fatores.

  1. Falta de ações estatais efetivas
    Embora a lei tenha sido aprovada em 2003, não houve investimentos específicos para formar educadores ou para financiar pesquisas voltadas a esse tema.
  2. Negligência dos entes públicos
    Muitos órgãos governamentais simplesmente ignoraram a lei. Dados publicados pelo Jornal Nacional revelam que sete em cada 10 secretarias municipais de educação descumprem a lei.
  3. Resistência e boicote
    Há casos em que gestores escolares resistem à inclusão de conteúdos ligados à cultura africana e afro-brasileira, citando justificativas preconceituosas e infundadas.
  4. Educação como ferramenta de poder
    A resistência à inclusão dessas tradições também está ligada a uma disputa por poder cultural e religioso.

Embora os professores tenham um papel central na promoção da educação, é fundamental reconhecer que a responsabilidade principal recai sobre o Estado. Quando o governo não cumpre seu dever de implementar políticas públicas, os educadores acabam assumindo, de maneira injusta, o peso de enfrentar barreiras institucionais, preconceitos e pressões da comunidade. Assim, essa dinâmica aprofunda a precarização da educação.

Por fim, a Lei 10.639 não é apenas uma conquista da população negra, mas de toda a sociedade brasileira. Ao reconhecer e ensinar a relevância das tradições africanas, ela promove uma visão mais inclusiva e realista da história nacional, além de oferecer ferramentas para combater desigualdades estruturais.

Como combater a intolerância religiosa?

Quando questionado sobre o que os cidadãos podem fazer para combater a intolerância e o racismo religioso, o professor Juarez ofereceu algumas orientações práticas:

  1. Conhecer a Lei e os Direitos
    Primeiramente, é essencial conhecer a legislação, como a Lei 10.639.
  2. Participação Ativa nas Escolas
    Os pais devem se envolver na vida escolar de seus filhos, frequentando reuniões, questionando a grade curricular e verificando os livros utilizados. É direito dos pais exigir que as tradições africanas e afro-brasileiras estejam presentes na formação educacional.
  3. Exercer a Cidadania
    Ademais, cidadãos têm o dever de monitorar os representantes eleitos, cobrando ações que respeitem os valores constitucionais e assegurem o pluralismo educacional. Além disso, caso ocorram violações desses direitos, é possível acionar o Ministério Público para garantir o cumprimento da lei.
  4. Garantir a Pluralidade
    Por outro lado, garantir a pluralidade cultural no currículo escolar é indispensável. Isso significa assegurar que todos os alunos tenham acesso ao legado civilizatório das tradições africanas, que são parte fundamental da história do Brasil.

Entretanto, a educação de qualidade está diretamente ligada às decisões políticas. Contudo, como muitos representantes eleitos acabam traindo os interesses de seus eleitores, priorizando outras agendas. Por isso, o engajamento social é essencial para reverter esse quadro.

É possível mudar?

Apesar do cenário adverso, o professor Juarez demonstrou confiança no potencial transformador das tradições africanas. Ele destacou que a AÇÃO está no cerne dessas tradições, que promovem mudanças concretas e significativas.

Por isso, sua visão é um chamado para investir em políticas de ação afirmativa, defender a pluralidade e trabalhar na construção de um futuro justo e melhor para as próximas geraç

“A gente tem que andar no passe de OXALÁ, com a tranquilidade e coragem de OGUM, a magnitude da capacidade de invenção e criação de OXUM para que ao final da trajetória a gente possa falar: EU MANTIVE O COMPROMISSO COM O MEU ANCESTRAL!”

Assista a entrevista completa:

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Sarah Gomes

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