ENTENDA POR QUE CASOS DO RIO NÃO SÃO (SÓ) INTOLERÂNCIA

A omissão estatal que causa esse caos, é como o mal PM que mata o menino negro na periferia, ele só aperta o gatilho, quem decidiu que ele tem o direito de fazer aquilo é a sociedade, esse assentimento que você referiu ele só acontece pela omissão estatal, porque se o Estado está intervindo proativamente por meio da propaganda, da educação e etc, você não chegaria a um caos de cultura como esse.

Para compor a matéria recorremos à entrevista exclusiva com Dr. Hédio Silva Junior, Advogado, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP, ex- Secretário de Justiça do Estado de São Paulo e ativista de causas afro-brasileiras. Sabemos que o título choca muitos irmãos de fé que estão comovidos e consternados com a situação ao qual se encontra o Rio de Janeiro. Mas, nessa matéria você vai entender que o que aconteceu nesse semana e que já vem acontecendo, não pode ser entendido (somente) como casos de intolerância religiosa e compreende algo muito maior. Bom, vamos descobrir isso ao decorrer do texto!

Há duas semanas atrás, Fátima Bernardes reuniu em seu programa dois ativistas e representantes religiosos, para discutir sobre a Intolerância Religiosa no país. Nesse encontro foi exposto um pouco da discussão ao qual as redes sociais se encarregaram de eclodir nessa semana após os constantes ataques aos terreiros de comunidades periféricas do Rio de Janeiro e mediações.

Durante a entrevista o babalaô e ativista Ivanir dos Santos, iniciou seus apontamentos indicando dados sobre intolerância religiosa no estado nos últimos tempos, afirmando que os atos intolerantes “não são um episódio isolado, como às vezes querem fazer crer” o sacerdote argumenta também, que 5% dos casos acontecem no contexto escolar.

Sobre essas constatações é evidente que exista a discriminação religiosa, o racismo religioso e a intolerância, entretanto ao responder Ivanir, o pastor e psicólogo da Igreja Presbiteriana Marcos Amaral coloca uma importante ressalva que se encaixa no que contexto violento ao qual sucedeu essa semana. “Os evangélicos não são intolerantes, mas seria tapar o sol com a peneira dizer que isso são casos soltos e não sintomas de uma orquestração muitas vezes impúblicaveis. Líderes televisivos ou não, com seu discurso acabam alimentando esse clima de ódio, mas é preciso descolar esse comportamento histérico da figura de Cristo. Se há alguém, absolutamente contrário a intolerância, é a figura de Cristo. Então concluímos que a intolerância, são sintomas de pessoas que desconhecem, essas pessoas desconhecem o cristianismo“afirma Amaral.

Ao dizer sobre a orquestração que acontece hoje no cenário religioso, ele fala sobre uma consciência deturpada, que vêm sendo germinada cada vez mais nas religiões do segmento neopentecostal sobre a forma que o cristianismo se dá.

Nessas pregações é comum o ideário de supremacia, arbitrariedade e a famosa intolerância ao credo do outro. Ao dizer que os evangélicos não são intolerantes ele se baseia no que a base cristã apresenta como premissa: o amor ao próximo, mas ao reconhecer que os atos acometidos pelos próprios fiéis evangélicos não são casos soltos ele remonta algo presente no ambiente e comportamento do neocristão e que, segundo ele mesmo, fazem parte de uma ignorância sobre o próprio cristianismo.

Mas o que aconteceu com a Mãe de Santo do Rio de Janeiro, que foi obrigada a quebrar seu próprio terreiro, foi um caso de intolerância religiosa?

Bom, a permissividade da sociedade local com a qual isto está acontecendo é fruto de um fundamentalismo religioso, resultante da manipulação da massa pelos falsos pastores que ao descontextualizar trechos da própria bíblia, disseminam ódio e obtêm tranquilamente o engajamento de uma sociedade que ao mesmo tempo que é diversa por natureza é também intolerante a essa diversidade.

Incitada pelo extremismo religioso de determinadas denominações, a sociedade civil se coloca em posição de combate ao que não rege o seu padrão de pensamento. E pensando no discurso que rege o ambiente das igrejas neopentecostais, essas ações são responsabilidades também dessas denominações como um todo.

Porém, os ataques que aconteceram nessa semana no Rio de Janeiro não podem ser pormenorizados como um ato fruto apenas, da intolerância religiosa. Não se configura como uma intolerância na tocante de que os agentes “anti-Umbanda e Candomblé” executores das práticas violentas, não são movidos por suas convicções morais, religiosas para executar tais ações – ou ao menos não é esse o motivo final de tais atitudes.

E entendendo isso, muda-se completamente a postura que os adeptos precisam tomar diante dessa realidade, onde encontramos razões bem mais profundas para esses atos, que vão além do que querem resumir como intolerância religiosa.

Intolerância Religiosa é uma discussão que envolve a execução de políticas públicas, atos de conscientização, a disseminação do ecumenismo e do conhecimento e estratégias de combate à ignorância em relação ao sagrado do outro. 

Os atos vistos nessa semana não são em nenhum momento resolvidos com a caminhada da diversidade religiosa, os esquemas entre denominações religiosas e o tráfico de armas e drogas nos morros do Rio de Janeiro são os principais aportes dessas manifestações violentas, e o uso das fachadas ministeriais das igrejas como disfarce para a lavagem de dinheiro provenientes do crime e dos próprios grupos religiosos (ver explicação tópico: contexto do tráfico X intolerância no RJ) fazem parte desse enredo inescrupuloso que nessa quarta-feira (13/09) terminou na destruição de um terreiro pela própria Mãe de Santo dirigente.

As cenas são de comoção e de profunda revolta, mas a postura do fiel Umbandista não pode ficar somente em cima dessa posição de se “conscientizar”. É necessário que se cobre nesse momento uma ação imediata das autoridades para encarar os responsáveis por essas retaliações e ainda procurar pelos representantes políticos incumbidos dessas questões.

O Blog Umbanda EAD procurou o Deputado Federal Átila Alexandre Nunes, que além de natural do Rio de Janeiro é também um defensor da Umbanda e Secretário dos Direitos Humanos no estado, afim de entender seu posicionamento sobre o caso e buscar esclarecimento sobre a postura do estado em relação aos últimos acontecimentos. Segundo a assessoria de Átila, até o final da tarde de hoje será enviado a nossa redação o comentário do deputado sobre os fatos ocorridos.

 

CONTEXTO DO TRÁFICO X INTOLERÂNCIA NO RJ

 

Em março deste ano, o portal de notícia da globo – G1, publicou reportagem onde apontava o traficante Fernandinho Guarabu, como um dos responsáveis pela proibição dos centros de Umbanda e Candomblé na Ilha do Governador e demais mediações, no Rio de Janeiro.

A matéria conta que há 13 anos atrás, após uma guerra sangrenta do tráfico, Guarabu deteve o domínio da venda de drogas e armas, no local, onde é dele também a logística dos transportes de vans do morro, o comércio de botijão de gás e a internet e TV por assinatura clandestinas.

Desde que assumiu a liderança do crime organizado do Morro do Dendê, Guarabu institui as regras e leis para as comunidades comandadas, dentre elas, a proibição: de filmes eróticos nos canais “gatonet”, do uso de cerol, da violência por estupro, do assalto e nesse patamar também incluiu as giras de Umbanda e demais religiões afro-brasileiras.

Declarando-se evangélico, tatuado no braço o nome de Jesus e distribuindo cestas básicas aos moradores, Guarabu conquistou a confiança da população com o perfil populista de atuar.

Transformando o Rio em uma versão brasileira do “plata o plomo” o traficante tem o respeito dos moradores e na maioria dos casos, também sua aprovação, sendo remotas as denúncias vindas da população à ele.

Para a conservação de sua segurança e sobrevivência do comando, o traficante conta com ajuda de milícias e de empresas de fachadas, algumas delas se utilizando de denominações religiosas.

Ao longo de 2014 até outubro de 2015, o grupo de Batoré utilizava a Cooperativa Shalon Fiel como fachada para justificar a cobrança dos valores extorquidos dos motoristas, cerca de 500 cooperados.

fonte: G1

Segundo a reportagem, já se espalhou a notícia por entre os moradores do Morro do Dendê que a justificativa de Guarabu para a opressão aos terreiros de Umbanda é que ali “o poder é de Jesus”.

Para entender sobre essa situação buscamos a palavra do Dr. Hedio Silva Jr. a fim de compreender as ações jurídicas as quais se enquadram essas ações e ainda, quais agentes sociais precisam ser responsabilizados por tais atos.

Blog –  Dr. Hédio até que ponto isso se configura como intolerância religiosa?

Pela imagem do vídeo, ele constrange e coage o sacerdote a ele próprio destruir os objetos sagrados. Independentemente de haver outra motivação subjacente à esta, para efeito do direito penal o que vale é essa, pois é isso que ele explicitou no ato. Se aquilo depois é uma organização criminosa, então é uma outra questão, mas ali é intolerância religiosa, porque o direito penal trabalha com elementos estabelecidos na cena do crime.

Eu estava resistente também em reconhecer o crime de terrorismo, mas logo depois ficou nítido, porque ele filma, ele coage as pessoas e garante a divulgação daquilo, porque quer promover um sentimento de terror social e generalizado.

E nessas ações você tem alguns aspectos.. Primeiro, do ponto de vista penal o templo é patrimônio cultural porque a tendência que o delegado e o promotor terá no Rio de Janeiro é de dano ao patrimônio, então ainda que a motivação não seja religiosa, o bem que está sendo violado não é um bem qualquer, não é um bem privado e é facilmente demonstrado, do ponto de vista legal, sua natureza de patrimônio cultural.

Desta forma, existe uma legislação específica sobre patrimônio cultural. Além de vulnerar e profanar símbolos e objetos religiosos, ele coage e constrange o próprio sacerdote, você tem a combinação dos danos sobre os bens materiais e você tem a configuração da prática da discriminação religiosa.

Na verdade esses dois crimes tem que ser somados a cena, que a gente chama no direito de concurso material.

Agora, eu entendo que dá sim para aplicar outra interpretação, porque inclusive se você qualifica como crime de terrorismo, você transporta a apuração do âmbito estadual que é aquele caos que está no Rio de Janeiro para a Polícia Federal, como é crime contra o terrorismo a competência para a apuração e julgamento será então da Polícia Federal, para a camada vitimada é muito melhor porque você tem a garantia muito maior que aquilo será apurado e as pessoas irão ser presas.

Não digo que não haja outro tipo de motivação, mas para norma penal vale aquilo que a pessoa expressa e fala no momento da ação.

 

Blog –  Tudo indica que determinados segmentos da população daquela região consentem e ainda aprovam tais atos, qual a responsabilidade do discurso neopentecostal nisso? E ainda, com tudo isso que aconteceu nos últimos dias, confunde-se atos intolerantes (em sua individualidade) com crimes que recebem a aprovação da população por seu caráter – ainda que fake – extremista religioso, fato este, que evidencia um descaso e uma falta de atenção já muito antigo do estado em se falar sobre o racismo e a intolerância velada no país e em negligenciar o apoio as políticas públicas que disseminem a consciência religiosa de diversidade ao qual todos devem nutrir.
Esses atos criminosos podem ser considerados o reflexo do que o próprio estado permite, quando por exemplo considera casos de racismo religioso como injúria racial (penalidade mais branda) ou até mesmo em aceitar que uma bancada assumidamente evangélica se articule dentro da política defendendo interesses particulares e não de cunho democrático? O que o Dr. tem a dizer sobre essa perspectiva do problema, que encarado desta forma, é bem maior do que a ação intolerante em sua particularidade?

 

A qualificação penal do crime de terrorismo tem uma contraparte que é a perseguição religiosa. Do ponto de vista jurídico tem uma distinção brutal entre discriminação ou intolerância religiosa e perseguição religiosa, porque a perseguição religiosa ela se caracteriza por esse conjunto de atos sistemáticos e organizados.

O conceito jurídico de perseguição religiosa, irá pressupor a ação do estado ou dos agentes do estado. Percebeu? Então essa ideia é isso.

Esse caso pode ser considerado perseguição religiosa, porque o decreto utiliza a expressão “ato do governo” e esse ato pode ser um ato omitido no sentido de não fazer, por isso é possível essa aproximação, em dizer que para além de conduta discriminatória individuais e difusas, você está diante de uma ação orquestrada.

Por isso, enquanto você está no terreno das ações individuais tecnicamente isso é considerado discriminação ou intolerância religiosa, quando você passa a ter uma ação orquestrada é um insisto mais grave porque inclusive entra como omissão estatal que conta como perseguição religiosa.

Colocando isso em debate eu entendo que nós devemos levar o Brasil para as cortes internacionais, a Corte Interamericana e a Corte Internacional, o Tribunal de Haia, porque essa omissão ela tem consequências, do ponto de vista jurídico. A omissão estatal que causa esse caos, é como o mal PM que mata o menino negro na periferia, ele só aperta o gatilho, quem decidiu que ele tem o direito de fazer aquilo é a sociedade, esse assentimento que você referiu ele só acontece pela omissão estatal, porque se o Estado está intervindo proativamente por meio da propaganda, da educação e etc, você não chegaria a um caos de cultura como esse, você chega nisso porque são décadas de omissão estatal e são décadas de propagação de determinado tipo de discurso, um discurso de ódio.

Existem requisitos para poder acionar as forças internacionais e entendo que esses requisitos foram dados, ao acionar o Tribunal Internacional você mobiliza a opinião pública internacional. Acho que isso seria uma resposta organizada.

A omissão do Estado é porque ele deixou inerte uma série de obrigações que estão previstos em tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, então não é só silêncio ou a inércia, a ação é uma violação as normas e essa inação ou a omissão é o que leva à esse esgarçamento que a gente está vendo nessas ações.

De imediato o que dá pra fazer é buscar a punição exemplar, possibilitar que as famílias das vítimas sirvam no processo como assistentes do Ministério Público e como resposta a situação que se instaurou no todo, as alternativas são lançar uma campanha para aprimorar a legislação e acionar o país no campo internacional.

Então fora do campo das reações entristecidas nas redes sociais existem coisas concretas que podem ser feitas e que visam ajudar.

 


 

O Blog Umbanda EAD se compromete a trazer para comunidade umbandista e sociedade em geral a apuração de todos os aportes pelos quais devemos nos fincar, para sair em defesa da liberdade religiosa, política e de expressão e ainda, qual a melhor posição a ser tomada nesses momentos. Esperamos com essa matéria esclarecer algumas prerrogativas produzidas a partir dessas ações.

 


 

Texto:

Júlia Pereira

Imagem:

Retiradas da Internet

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Julia Pereira

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