Por Rodrigo Queiroz / Ditado por Pai Zuluá de Aruanda
A encruzilhada estava muito escura, muito vento, sozinha ela sentia muito medo de alguma violência, mesmo com o marido dentro do carro com os faróis acesos para clarear um pouco aquela intensa escuridão.
Trêmula e temente, ela saúda os quatro cantos da encruzilhada, posta-se no meio e ajoelha-se, imediatamente é tomada por uma dor profunda e chora, chora muito, com dificuldade posiciona o alguidar, abre a cerveja, corta as frutas e tenta acender as velas sem sucesso devido tanto vento, acende com dificuldade o charuto e saúda alto: “-Valei-me meu Pai Ogum!” e mais uma vez o pranto toma conta dos seus sentidos, as lágrimas caem no alguidar e banha a singela oferenda…
Do lado espiritual um clarão ilumina aquela inóspita encruzilhada e de frente à oferenda ele se posiciona, é um mensageiro de Ogum, com ele simultaneamente aparecem dezenas de Guardiões Exus, formam um verdadeiro cinturão no perímetro da encruzilhada, desenhando uma roda de proteção.
Ogum dos Sete Caminhos toca a ponta de sua espada na cabeça de Eliza que “desmaia”, quando se dá conta está do lado espiritual, vê seu corpo no chão e se alegra com a miragem daquele mensageiro à sua frente.
– Porque tanta dor minha filha?
– Meu Pai Ogum, não aguento tanto sofrimento, tudo dá errado para mim, tudo foge do controle, dívidas que não acabam, problemas no casamento, desarmonia na família. Meu Pai, sinto que tenho muito olho gordo na minha direção, também desconfio que estou sob efeito de forte “magia negra” e estou convencida de que isso é o que está fechando meus caminhos.
– Filha, segure minha mão.
Ao encostar as mãos nas de Sr. Sete Caminhos, uma luz intensa envolveu o corpo de Eliza, que foi projetada ao passado de sua memória presente agora vista por um ângulo que não gostava de imaginar, seguiram algumas cenas:
“A casa toda bagunçada, os dois filhos pequenos brincando com o pai, Eliza na cozinha preparando a janta, enquanto cortava os legumes reclamava baixinho da própria vida: – Não aguento mais cuidar desta casa, fazer comida, limpar, educar filhos. Queria mesmo é estar agora num restaurante, voltar para casa e dormir, não ter hora para acordar amanhã…”
“É dia do aniversário de casamento de 10 anos de Eliza e Roberto, ela acorda depois dele, vai para a cozinha, onde o marido o espera com a mesa posta e flores decorando o ambiente:
– Bom dia querida!
– O que é isso Roberto? Enlouqueceu? Tá gastando dinheiro com florzinha, bolachinha e besteiras?
Decepcionado e triste pelo constante desânimo da esposa e pela nítida demonstração de esquecimento da data por parte dela, ele responde: – Não meu bem, hoje completamos uma década de casados e venho guardando há três meses um dinheirinho para lhe surpreender com este café, gostaria de lhe oferecer mais para externar meu amor… Mas isso é o que eu pude fazer… Desculpe por lhe importunar com meus sentimentos…”
“- Mamãe, mamãe, mamãe.
– Fala muleque! – esbraveja Eliza.
– Mamãe, eu fiz na escolinha, é para você! Diz Juninho feliz da vida com o primeiro cartão de dia das mães feita por ele mesmo.
O cartão tinha o formato de um coração com braços grandes, com os dizeres na capa: Mamãe…, e dentro ‘Te amo um tantão assim’!
– Tá bom muleque, vai brincar e me deixa descansar.”
Ainda seguiram outras cenas como estas e Sr. Sete Caminhos tirou Eliza do “transe”, que imediatamente tomada por vergonha chorou.
– Pois então minha filha. Acredita que sua vida ainda não está a contento por ação mágica? A vida vai mal ou você que não se permite olhar para a mesma?
Acaso pensa que haverá amor sem cultivo? Pensa que haverá conquistas sem luta, derrota e aprendizado? Acreditas mesmo que pode viver em paz sem gratidão?
Você tem o marido que escolheu, os filhos que pretendeu, a casa que idealizou e a rotina que pediu. Onde sua vida vai mal? Que tanta insatisfação é essa? Por que é tão difícil contentar-se com o que se tem?
É pertinente que almeje sempre mais, mas não sem antes ser justa com o que se tem, com o que escolheu, pediu e optou.
Retribua o carinho do seu marido que só não lhe abandonou por tê-la como uma boa lembrança e querer a todo custo retomar o que você deixou num passado sem motivo. Seus filhos só precisam da sua atenção e legítimo carinho.
Falta-lhe emoção? É disso que reclama? Mas o que tem feito para alterar a rotina?
Quer mais conquistas materiais? Do que você precisa? O que tem feito para atingir seus objetivos?
Tem falta de um passado jovial? Entenda que tudo passa, o tempo passa e você passa pelo tempo. Lembranças são o que são, memórias para que você não se esqueça do é, foi e o que não quer ser ou voltar a ser.
Seja sincera, a vida lhe foi muito boa e você, por ser movida por uma ingratidão constante, por uma necessidade de ser mais do que faz por ser e não mover um grão de areia para que sua realidade seja ao menos diferente, diz ainda ter a “certeza” que é algo de inveja e magia?
Desfaça você mesma a magia da ilusão que criou a si mesma. Saia deste quadro de lamentos gratuitos e olhe para o que tem, antes de almejar o que poderá ter e ser.
Após estas duras e verdadeiras palavras, Eliza no choro compulsivo de vergonha não conseguia falar, talvez nem pensar.
– Agora você voltará ao corpo, lembrando de tudo o que ocorreu aqui e estará de volta à sua realidade, seja melhor consigo e com os seus.
E Sr. Ogum Sete Caminhos recostou a ponta de sua espada na cabeça de Eliza, novamente um clarão tomou conta da encruzilhada e Eliza acordou com seu marido desesperado lhe chamando: – Meu bem, acorda, acorda, Eliza, meu amor, por favor!
Ao abrir os olhos, ele sorriu amorosamente, Eliza mais uma vez foi tomada por uma vergonha incalculável, abraçou Roberto e chorou…
Esta foi mais uma ação daqueles ordenadores espíritos que trabalham sob os ditames de Pai Ogum. Que quando evocados não estão à disposição do evocador, mas tão somente da Lei, da Verdade e do Caminho reto.
Esta história de Eliza retrata um pouco dos milhares de casos constantes de pessoas que abarcam aos terreiros de Umbanda, e vestidos com a “máscara do desafortunado” lamentam sobre tudo, e que não são capazes de reconhecer o que têm e o que podem vir a ter por serem capazes de ter.
Muitos destroem seus casamentos por falta de zelo, respeito e maleabilidade. Outros minam suas relações familiares pelo insistente relapso de retribuição e gratidão. Outros pedem empregos e os desprezam por não serem gratos ao que têm antes de se preparar para algo a mais.
Assim, num fluxo contínuo e constante de uma espécie de torpor comportamental, os filhos desta matéria, deste plano físico, perpetuam uma cultura de crise existencial em prol de uma necessidade mal expressa e incompreendida…
Desejo que Pai Ogum, aquele que reflete a Lei do Criador, a Ordem no Universo, através de seus milhares de falangeiros e intermediários, esteja ao lado destes filhos na matéria, e que possam ser corrigidos e reposicionados no caminho reto da evolução.
Ogum abençoe, Ogum proteja, Ogum encaminhe!
Patakorê Ogum Yê!
Pai Zuluá de Aruanda – 05/04/2011 21h27min
Texto publicado originalmente em rodrigoqueiroz.blog.br
Imagem: Pedro Belluomini