A umbanda e o candomblé, religiões que vêm atraindo o grupo, também têm um código moral amplo, baseado na lei do retorno: fazer o bem para recebê-lo e evitar fazer o mal para não sofrê-lo. “Nos cultos africanos, bem e mal estão sempre juntos”, diz a produtora cultural e artista paulistana Karen Keppe, 29 anos, que teve o primeiro contato com o candomblé aos 22, ainda na faculdade de história. “Acho essa visão sincera, mais conectada com a realidade”, conclui. Hoje, frequenta um centro umbandista em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, onde não raro encontra pessoas de seu meio de trabalho, como músicos com quem colabora em festas hypadas no Centro paulistano. O local é próximo ao apartamento que ela divide com o namorado e um amigo. Ela trabalha em casa, onde estuda novas maneiras de produzir música, a partir de objetos inusitados como rodas de bicicleta e pequenos ventiladores. Pelas janelas, estão pendurados outros aparelhos curiosos: são sensores caseiros de qualidade do ar, desenvolvidos pelo namorado de Karen para um projeto que mapeia a poluição da cidade. A criação dos sensores foi feita com um programa de computador “aberto”, ou seja, o projeto está disponível na internet e pode ser copiado e replicado por quem quiser. Estamos falando de uma turma para quem a vida colaborativa faz mais sentido que a corporativa. Esse comportamento é muito típico dos jovens do século 21, como já havia apontado o sociólogo Michel Maffesoli, que se dedica a entender a pós-modernidade. “O indivíduo, que era a marca mais forte da era moderna, perde valor para a comunidade, o nós vence o eu”, diz o francês no livro O Tempo das Tribos: o Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa (Forense Universitária, 338 págs., R$ 75).
Dentro desse contexto, é compreensível que a hierarquia horizontal da umbanda seja tão confortável para os novos adeptos. “Nunca me dei bem com chefe”, diz o designer paulistano Edi Marreiro, 33 anos, que, em suas palavras, optou por não fazer faculdade para “ter uma vida profissional mais variada”. No ano passado, deixou o trabalho como monitor de uma clínica de dependentes químicos para tornar-se designer e produzir objetos de decoração para a marca que criou com a namorada. Apesar do pouco tempo de empreitada, o casal já colhe os frutos e se sustenta com as vendas de seus produtos em um e-commerce, o Casa do Rouxinol.
Alto, com barba cheia e sete tatuagens espalhadas pelo corpo, Edi frequenta um terreiro no bairro do Morumbi, em São Paulo, e diz ter ampliado por lá até mesmo seus interesses mundanos. “Mudou a minha forma de encarar a música, os instrumentos. Antes, gostava só de rock e música eletrônica e agora gosto de percussão, de samba”, afirma. Seu envolvimento foi tão grande que se tornou ogã, um líder que canta e toca atabaque para que os espíritos possam trabalhar. Parte de suas tarefas é receber as pessoas que chegam pela primeira vez ao centro, e foi assim que conheceu a atual namorada, Raji Rajii, de 26 anos. Fora do terreiro, ele participa de um grupo de maracatu, o ritmo pernambucano que tem raízes na cultura dos escravos. Também é fã de músicos nacionais, como os rappers Emicida e Criolo.
Edi se prepara para as giras com alguns rituais: nas 24 horas que antecedem os trabalhos, não tem relações sexuais, não bebe álcool nem usa qualquer substância que possa alterar a consciência, e não come carne vermelha. Também toma um banho de sete ervas. A dedicação causa estranhamento nos amigos de fora da religião. “Tem quem olhe torto, mas não ligo.”

BRANCO É A COR RITUALÍSTICA NOS TERREIROS (FOTO: ROGÉRIO ASSIS)
A assistente social Janaína Grasso, 27 anos, adepta do candomblé, sabe bem como é driblar o preconceito e a intolerância religiosa. “Sou mulher, preta e baiana. Só por isso as pessoas já me chamam de macumbeira. Mas na minha religião ninguém orienta a amarrar marido ou fazer trabalhos para prejudicar os outros”, diz. Moradora do boêmio bairro da Vila Madalena, ela diz preferir as festas de rua que São Paulo oferece a locais que cobram entrada (“mais um jeito de segregar”). Na reta final do mestrado que analisa questões de gênero, ela ainda lidera o coletivo Em Alto e Bom Tom, focado no empoderamento de mulheres negras. Com uma amiga, ela monta exposições itinerantes de retratos de lindas jovens usando turbantes, cabelos afro, tranças e exibindo corpos suntuosos. As imagens visam dar mais confiança e suprir a falta de representação positiva de crianças e adolescentes afrodescendentes.
Nas semanas em que conversou com a reportagem, Janaína faltou a uma festa importante do terreiro que frequenta, com muita música, rezas e oferendas, por causa da dissertação. No candomblé, as cerimônias são guiadas pelo pai de santo e os cantos são em iorubá ou outras línguas dos antigos escravos. Diferentemente da umbanda, quem se manifesta por meio dos médiuns são os orixás – e não espíritos antigos. Por fim, se o praticante tem uma questão particular a tratar, pede uma sessão individual com o pai ou a mãe de santo, que fará perguntas aos deuses pelo jogo de búzios. São consultas que nada lembram as confissões e punições da igreja católica ou as expurgações dos evangélicos pentecostais.
Para o sociólogo das religiões Reginaldo Prandi, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), o aspecto lúdico coloca os cultos africanos numa posição atraente para esses jovens. “A umbanda, assim como o candomblé, tem três coisas boas da vida: música, dança e comida”, resume. Além disso, a estética de cores fortes e contrastantes, rendas e ornamentos ricos, e a conexão com folhas, ondas do mar e flores ajudam a atrair novos adeptos, afirma o estudioso. “O mundo está questionando sua relação com a natureza e, nos grandes centros urbanos, são raros os momentos em que você fica com os pés no chão, em contato com tudo isso”, analisa. Essa turma antenada mostra que, hoje, nada é mais moderno do que buscar a paz nas coisas simples da vida.
Fonte: Revista Marie Claire
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Ótimo que a Umbanda e o Candomblé alcancem um público mais diversificado, mas vamos parar pra pensar: porquê só o “jovens descolados” ou “classe média” são dignos de nota? É esse tal racismo sutil tão presente entre nós brasileiros, que nos faz valorizar aquilo que os “brancos” fazem em detrimento dos “negros e pobres”. A umbanda muito antes de ser “descolada” já alcançava os rincões mais pobres e humildes trazendo sua fé e sua esperança aos necessitados, e devemos nos lembrar dos mais velhos e humildes que construíram a nossa religião. Não nos esqueçamos deles, eles são o nosso exemplo. Axé