Umbanda e Candomblé conquistam jovens descolados no Brasil por revista Marie Claire

Esqueça a imagem das pessoas angustiadas que procuram consolo para a dor da morte de parentes. Agora, jovens descolados deixam de ir à balada para celebrar os orixás, receber passes e fazer amigos. Conheça alguns dos novos frequentadores da umbanda e do candomblé.


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ESQUERDA, ANDRÉA, ARTISTA PLÁSTICA CONECTADA A IEMANJÁ. EM CASA, FAZ BANHOS E ORAÇÕES. À DIREITA, JANAÍNA, “FILHA DE OMULU” E ATIVISTA PELOS DIREITOS DA MULHER NEGRA (FOTO: ROGÉRIO ASSIS)

A artista plástica Andréa Tolaini não sabe o que fazer com sua bicicleta elétrica. O veículo foi um presente em forma de pedido de casamento e tem valor sentimental para a paulistana de 30 anos, mas a verdade é que ela prefere pedalar à moda antiga, sem a ajuda de motor. Do seu ateliê, no bairro do Butantã, em São Paulo, sai pelas novas ciclofaixas da metrópole para se reunir com os clientes que encomendam seus quadros, mandalas multicoloridas pintadas em telas grandes. Tem os horários fluidos, a rotina livre e uma profissão que parece lazer. Investe seu dinheiro em shows e viagens (a última para o Peru) e, nos fins de semana, recebe os amigos para uma feijoada vegetariana em sua casa, onde mora com um gato e dois cachorros. A porta ali está sempre aberta, já que Andréa não é adepta “da vibe portão elétrico e grades até o teto”.

Ao menos uma vez por mês, ela vai a um terreiro de umbanda. Diz que conversa com os espíritos, pede a eles conselhos para a vida e volta para casa com indicações práticas e rituais. “Faço orações de sete dias, banhos, limpezas e agradecimentos aos orixás”, conta. “Gosto da liberdade de fazer os ritos do meu jeito. Não me sinto obrigada a ir ao centro: vou quando tenho vontade.” Nascida numa família católica, Andréa não tinha contato com religião desde que saiu do colégio cristão onde estudava. Até que, em 2008, foi com uma amiga a um terreiro pela primeira vez. Logo de cara, diz que recebeu de um médium um recado sobre a morte da mãe, que viria a ser diagnosticada com um câncer terminal dali a poucas semanas. “A umbanda dialoga de forma simples e rápida com você, não tem nenhuma metáfora ou mensagem rebuscada”, afirma. A mãe morreu no ano seguinte. Desde então, ela procura ajuda dos guias, os espíritos que incorporam nos médiuns em dia de gira, como são chamadas as cerimônias, sempre que acha necessário. Foi assim quando quis largar a carreira de oito anos em empresas de publicidade para viver de sua arte.

Andréa faz parte de um grupo bem informado de jovens urbanos que trocou a crença familiar pela fé nas tradições africanas. É por causa de pessoas como ela que, nos dois últimos censos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Estatística), os frequentadores de cultos afro-brasileiros aparecem no topo do ranking de escolaridade: ficam em segundo lugar, atrás apenas de kardecistas e à frente de católicos e evangélicos. São comunicadores, estudantes e criativos cujas escolhas de vida não combinam com grandes empresas mas, sim, com a liberdade de ir e vir. São membros da geração Y, essa nascida a partir da década de 80, urbana e conectada à internet, em que os psicólogos sociais identificam uma aversão clara à hierarquia e uma necessidade de se engajar em projetos com profundo significado pessoal.

O publicitário Rafael Mota, 27 anos, se sente completamente levado pelo ritual que, até três anos, desconhecia por completo. “É impossível não sentir a energia”, diz ele.Sua fé não vem de berço. Como a maioria dos atuais adeptos das religiões afro-brasileiras, Rafael se encantou por ela depois de adulto. “Nasci numa família católica e gostava muito do convívio da igreja. Mas, com o passar dos anos, a missa foi perdendo intensidade para mim. Aquilo não prendia mais a minha atenção .”

A umbanda e o candomblé, religiões que vêm atraindo o grupo, também têm um código moral amplo, baseado na lei do retorno: fazer o bem para recebê-lo e evitar fazer o mal para não sofrê-lo. “Nos cultos africanos, bem e mal estão sempre juntos”, diz a produtora cultural e artista paulistana Karen Keppe, 29 anos, que teve o primeiro contato com o candomblé aos 22, ainda na faculdade de história. “Acho essa visão sincera, mais conectada com a realidade”, conclui. Hoje, frequenta um centro umbandista em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, onde não raro encontra pessoas de seu meio de trabalho, como músicos com quem colabora em festas hypadas no Centro paulistano. O local é próximo ao apartamento que ela divide com o namorado e um amigo. Ela trabalha em casa, onde estuda novas maneiras de produzir música, a partir de objetos inusitados como rodas de bicicleta e pequenos ventiladores. Pelas janelas, estão pendurados outros aparelhos curiosos: são sensores caseiros de qualidade do ar, desenvolvidos pelo namorado de Karen para um projeto que mapeia a poluição da cidade. A criação dos sensores foi feita com um programa de computador “aberto”, ou seja, o projeto está disponível na internet e pode ser copiado e replicado por quem quiser. Estamos falando de uma turma para quem a vida colaborativa faz mais sentido que a corporativa. Esse comportamento é muito típico dos jovens do século 21, como já havia apontado o sociólogo Michel Maffesoli, que se dedica a entender a pós-modernidade. “O indivíduo, que era a marca mais forte da era moderna, perde valor para a comunidade, o nós vence o eu”, diz o francês no livro O Tempo das Tribos: o Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa (Forense Universitária, 338 págs., R$ 75).

Dentro desse contexto, é compreensível que a hierarquia horizontal da umbanda seja tão confortável para os novos adeptos. “Nunca me dei bem com chefe”, diz o designer paulistano Edi Marreiro, 33 anos, que, em suas palavras, optou por não fazer faculdade para “ter uma vida profissional mais variada”. No ano passado, deixou o trabalho como monitor de uma clínica de dependentes químicos para tornar-se designer e produzir objetos de decoração para a marca que criou com a namorada. Apesar do pouco tempo de empreitada, o casal já colhe os frutos e se sustenta com as vendas de seus produtos em um e-commerce, o Casa do Rouxinol.

Alto, com barba cheia e sete tatuagens espalhadas pelo corpo, Edi frequenta um terreiro no bairro do Morumbi, em São Paulo, e diz ter ampliado por lá até mesmo seus interesses mundanos. “Mudou a minha forma de encarar a música, os instrumentos. Antes, gostava só de rock e música eletrônica e agora gosto de percussão, de samba”, afirma. Seu envolvimento foi tão grande que se tornou ogã, um líder que canta e toca atabaque para que os espíritos possam trabalhar. Parte de suas tarefas é receber as pessoas que chegam pela primeira vez ao centro, e foi assim que conheceu a atual namorada, Raji Rajii, de 26 anos. Fora do terreiro, ele participa de um grupo de maracatu, o ritmo pernambucano que tem raízes na cultura dos escravos. Também é fã de músicos nacionais, como os rappers Emicida e Criolo.

Edi se prepara para as giras com alguns rituais: nas 24 horas que antecedem os trabalhos, não tem relações sexuais, não bebe álcool nem usa qualquer substância que possa alterar a consciência, e não come carne vermelha. Também toma um banho de sete ervas. A dedicação causa estranhamento nos amigos de fora da religião. “Tem quem olhe torto, mas não ligo.”

O branco é a cor ritualística nos terreiros (Foto: Rogério Assis)
BRANCO É A COR RITUALÍSTICA NOS TERREIROS (FOTO: ROGÉRIO ASSIS)

A assistente social Janaína Grasso, 27 anos, adepta do candomblé, sabe bem como é driblar o preconceito e a intolerância religiosa. “Sou mulher, preta e baiana. Só por isso as pessoas já me chamam de macumbeira. Mas na minha religião ninguém orienta a amarrar marido ou fazer trabalhos para prejudicar os outros”, diz. Moradora do boêmio bairro da Vila Madalena, ela diz preferir as festas de rua que São Paulo oferece a locais que cobram entrada (“mais um jeito de segregar”). Na reta final do mestrado que analisa questões de gênero, ela ainda lidera o coletivo Em Alto e Bom Tom, focado no empoderamento de mulheres negras. Com uma amiga, ela monta exposições itinerantes de retratos de lindas jovens usando turbantes, cabelos afro, tranças e exibindo corpos suntuosos. As imagens visam dar mais confiança e suprir a falta de representação positiva de crianças e adolescentes afrodescendentes.

Nas semanas em que conversou com a reportagem, Janaína faltou a uma festa importante do terreiro que frequenta, com muita música, rezas e oferendas, por causa da dissertação. No candomblé, as cerimônias são guiadas pelo pai de santo e os cantos são em iorubá ou outras línguas dos antigos escravos. Diferentemente da umbanda, quem se manifesta por meio dos médiuns são os orixás – e não espíritos antigos. Por fim, se o praticante tem uma questão particular a tratar, pede uma sessão individual com o pai ou a mãe de santo, que fará perguntas aos deuses pelo jogo de búzios. São consultas que nada lembram as confissões e punições da igreja católica ou as expurgações dos evangélicos pentecostais.

Para o sociólogo das religiões Reginaldo Prandi, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), o aspecto lúdico coloca os cultos africanos numa posição atraente para esses jovens. “A umbanda, assim como o candomblé, tem três coisas boas da vida: música, dança e comida”, resume. Além disso, a estética de cores fortes e contrastantes, rendas e ornamentos ricos, e a conexão com folhas, ondas do mar e flores ajudam a atrair novos adeptos, afirma o estudioso. “O mundo está questionando sua relação com a natureza e, nos grandes centros urbanos, são raros os momentos em que você fica com os pés no chão, em contato com tudo isso”, analisa. Essa turma antenada mostra que, hoje, nada é mais moderno do que buscar a paz nas coisas simples da vida.

Fonte: Revista Marie Claire 

Julia Pereira

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